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O ex-senador Ricardo Ferraço (PSDB) vem sendo apontado há alguns meses como o favorito para completar a chapa encabeçada pelo governador Renato Casagrande (PSB), na eleição para o governo estadual. Esse favoritismo será confirmado oficialmente nos próximos dias: Ricardo será mesmo o candidato a vice-governador de Casagrande, por gozar da preferência pessoal do governador, que, nos bastidores, já tomou a decisão – sem grandes resistências por parte de outros aliados.
Ao longo do percurso, outros nomes foram cotados para a vaga, mas Ricardo é o preferido de Casagrande por uma combinação de quatro fatores, os quais listamos e explicamos abaixo:
1) A sucessão de Casagrande
O governador não fala sobre isso (nem poderia, obviamente), mas é unanimidade entre seus aliados mais próximos: se ele for reeleito, vai governar até abril de 2026 e então, cumprindo aquilo que impõe a legislação eleitoral, vai renunciar ao governo para poder concorrer ao Senado e dar continuidade à sua trajetória política. É o seu “caminho natural”.
Assim, o vice-governador eleito com ele neste ano (em caso de sucesso nas urnas), será virtualmente o próximo governador, a partir de abril de 2026, podendo ainda disputar a reeleição em outubro do mesmo ano. Portanto, terá que ser alguém já bastante testado na vida pública, com larga experiência administrativa e em condições de entrar em campo a qualquer momento no lugar do titular.
Ricardo atende a esses pré-requisitos. Além de senador, já foi vice-governador, secretário de Agricultura, deputado ainda muito jovem… A preferência de Casagrande por ele passa por esse currículo.
2) O empresariado
O candidato a vice-governador precisa ser alguém que complemente o líder da chapa, suprindo ou compensando um pouco algum dos seus pontos fracos. Ao escolher o parceiro, o candidato a chefe do Executivo em geral escolhe alguém que lhe agregue eleitores em segmentos onde ele não vai bem.
No caso de Ricardo, o que ele agrega a Casagrande? Juventude? Não. Os dois têm quase a mesma idade: com três anos a menos que os 61 de Casagrande, o filho de Theodorico Ferraço não rejuvenesce a chapa.
Imagem de “renovação política”? Pelo contrário. O ex-senador já tem mais de 30 anos de vida pública, no decorrer dos quais emendou vários mandatos. É herdeiro político de uma oligarquia política do sul do Estado e, seguindo os passos do pai, começou ainda moço na política.
O que Ricardo realmente agrega a Casagrande é um componente econômico diretamente interligado com outro, de cunho ideológico. Ajuda o governador onde ele mais precisa de reforço.
Primeiramente, como é notório, Ricardo é muito bem relacionado com o empresariado capixaba. Mais que isso, aliás: faz parte do empresariado capixaba, desde que deixou o Senado, no início de 2019.
Como senador, de 2011 a 2019, exerceu o papel de elo entre Brasília e o setor produtivo do Espírito Santo; foi procurador e interlocutor dos interesses do PIB capixaba no Congresso.
Entre os representantes da nata desse PIB, Casagrande pode não gozar de tanta simpatia assim, não porque tenha feito um governo contrário aos interesses deles, mas por causa do fator ideológico que é preciso incluir neste raciocínio.
3) O bolsonarismo
Como não é segredo para ninguém, o presidente Jair Bolsonaro (PL) desfruta de simpatia e adesão de boa parte do empresariado não só capixaba como brasileiro, em que pesem os desatinos e despautérios que professa e promove no cargo, os indicadores econômicos muito ruins do seu governo e a instabilidade política, patrocinada em grande parte por ele, a qual impede qualquer chance de recuperação da economia (é uma “usina de crises”, como diria Rodrigo Maia).
Ao lado de Casagrande, Ricardo conferirá à chapa um quê de “equilíbrio ideológico” almejado pelo governador. Ao longo do atual governo, Casagrande foi um crítico contumaz de medidas e posturas adotadas por Bolsonaro. Seu PSB está coligado com o PT no Brasil e no Espírito Santo. O governador já declarou que votará em Lula e fará campanha para o petista (e só para ele) na eleição à Presidência. Ao lançar-se publicamente à reeleição, na última segunda-feira (11), afirmou que em política não dissimula nem esconde de aliados o seu lado.
Porém, como já analisamos aqui, Casagrande busca, eleitoralmente, um “lado mais no meio” (tipo a “bola quadrada” do Chaves): quer fazer uma inflexão ao centro.
Apesar de todo o dito acima, ele não quer ser identificado pelo eleitor, de maneira simplista e sumária, como um candidato de esquerda, ou como O candidato DA esquerda, muito menos como petista, lulista etc. – etiquetas que oponentes à direita na certa esfregarão à saciedade nele, ainda mais agora que ele realmente apoia Lula e tem o apoio formal do PT.
Também na última segunda, o próprio governador, nas entrelinhas, expressou essa preocupação com as simplificações e com a reedição, na disputa estadual, de uma polarização nacional em que lhe caiba o papel restrito de “representante da esquerda”:
“O mais desafiador [na campanha] será manter um ambiente de debate produtivo e se aprofundar nos temas, porque muita gente na política hoje usa carimbos e chancelas para poder classificar uma pessoa. E é muito importante que o cidadão de fato se aprofunde naquilo que ele está ouvindo, que ele possa refletir sobre aquilo que está recebendo, que não seja só um receptor e um assimilador que absorva as ‘notícias’ que chegam nas suas redes sociais, no seu Whatsapp.”
A escalação de Ricardo na chapa ajuda a quebrar essa dicotomia de “carimbos” e “chancelas”, bem como eventuais resistências de viés ideológico. Casagrande quer votos de todos, incluindo eleitores bolsonaristas (como os teve, de fato, em 2018). Ostentar ao seu lado Ricardo, um conservador de centro-direita, pode ajudar a atraí-los.
Já há partidos bolsonaristas com Casagrande (exemplo mais gritante é o PP). Mas Ricardo na vice é a cereja do bolo; a peça que lhe faltava para transmitir ao eleitorado certo “equilíbrio ideológico” e o argumento que lhe faltava para se contrapor a quem quiser taxá-lo de “esquerdista” e reduzir sua candidatura a um só polo ideológico.
4) O PSDB e o Cidadania
Por último mas não menos importante, a escalação de Ricardo como companheiro de chapa de Casagrande consolida o ingresso do PSDB na coligação liderada pelo governador, levando para sua campanha à reeleição a militância tucana no Estado, o tempo de TV e rádio do PSDB e parte dos recursos do partido na divisão do Fundo Eleitoral.
Com Ricardo na chapa majoritária, Casagrande incorpora mais um partido de peso a uma coligação já bastante ampla e que, ironicamente, acaba de hospedar o PT, rival histórico do PSDB (os petistas fizeram check-in na última quarta-feira). Com Ricardo no posto de vice, o PSDB está dentro; sem Ricardo, nada feito. É a condição do PSDB estadual. O governador a atenderá de bom grado.
Nacionalmente, o PSDB e o Cidadania estão unidos em uma federação: estarão juntos, como um partido só, nesta eleição e nos próximos quatro anos. Assim, garantindo a entrada pela porta da frente do PSDB em sua coligação, Casagrande também assegura a do Cidadania.
No plano estadual, o partido de Luciano Rezende tem sido um parceiro estratégico de Casagrande desde a eleição municipal de 2012. Em 2014, o atual presidente estadual da sigla, Fabrício Gandini, foi o candidato a vice-governador de Casagrande, na eleição vencida por Paulo Hartung. Na disputa de 2018, vencida por Casagrande, PSB e Cidadania reeditaram a aliança. O Cidadania participou da atual administração, com direito à ocupação de espaços no primeiro escalão do governo.
O PSDB também integrou a coligação vitoriosa de Casagrande em 2018 (por sinal, graças a um movimento fundamental do próprio Ricardo junto à direção nacional, contra o grupo de César Colnago) e indicou quadros na atual administração.
Na Assembleia, o presidente estadual dos tucanos, Vandinho Leite, fez parte da oposição ao governo até a eleição municipal de 2020, quando concorreu a prefeito da Serra. Após a derrota, realinhou-se à base governista e, desde então, pode-se dizer que a bancada do PSDB na Casa vota com o governo Casagrande (à parte o independente Majeski, que reingressou na legenda em março).
Resumindo, ao acomodar Ricardo como seu companheiro de chapa, Casagrande garante que tanto o PSDB quanto o Cidadania permaneçam em sua aliança, em vez de se desgarrarem para um adversário eleitoral.
Em resolução baixada no dia 5 de julho e assinada por Vandinho e Gandini, a federação PSDB/Cidadania colocou no papel que a condição para definir seu apoio na eleição ao Palácio Anchieta é espaço na chapa majoritária: vai apoiar o candidato a governador que aceitar acolher um candidato a senador ou a vice-governador indicado pela federação. Fizeram isso para aumentar a pressão sobre Casagrande.
Para pôr ainda mais pressão, registraram, na mesma resolução, que mantêm tratativas com outros quatro pré-candidatos além do atual governador.
Ora, apesar de muitas especulações, a verdade é que essa federação não tem nenhum pré-candidato a senador. Ninguém, muito menos Ricardo, fez qualquer movimento de pré-candidatura ao Senado. E seria um desvario lançar uma candidatura ao Senado com tamanho atraso, enquanto Rose de Freitas, Sérgio Meneguelli e Magno Malta já estão com o bloco na rua há muito tempo.
Assim, quando o PSDB e o Cidadania dizem que fazem questão de espaço na majoritária, isso a esta altura se resume a uma opção: o lugar de candidato a vice. O próprio Gandini admitiu isso na última sexta (15), durante ato de pré-campanha em Vitória da senadora Simone Tebet, pré-candidata à Presidência pelo MDB, com o apoio da federação PSDB/Cidadania.
No mesmo ato, o movimento mais sintomático partiu do próprio Ricardo, discreto, mas cirúrgico: em seu breve pronunciamento, além de enaltecer as qualidades de Tebet, o ex-senador declarou seu apoio a Rose de Freitas na eleição ao Senado, o que denota duas coisas: ele realmente não será candidato a senador e deu a deixa para a consolidação da chapa majoritária com Casagrande para governador, Rose para senadora… e ele mesmo para vice-governador.
Por fim, os outros nomes que chegaram a ser soprados para vice de Casagrande são do PP e do Podemos. Mas, se o governador garante o PSDB ao escalar Ricardo como vice, ele não perde nem PP nem Podemos se os deixar de fora desse desenho final da chapa. Os dois permanecerão na coligação de Casagrande ainda que não sejam contemplados com lugar na chapa majoritária.
No caso do PP, onde houve um pleito público por espaço na majoritária, tal pedido jamais foi tratado como exigência em troca do apoio (diferentemente do PSDB). E ninguém acredita que o partido presidido por Marcus Vicente no Espírito Santo desembarcará da coligação de Casagrande se não for contemplado com uma candidatura majoritária. A prioridade do PP é eleger deputados federais.
Conclusão
Por tudo isso, só falta o anúncio oficial da chapa R3, ou Rê-Ri-Rô: Renato, Ricardo e Rose.